Colisão turbotrem com um trem-bala, morte de 31 pessoas e ferindo outras 400 e o Centro de Estudos Prevenir Tragédias através da Segurança Proativa e a Gestão de Riscos
Nos subúrbios de Londres, em 1999, um maquinista de um turbotrem ultrapassa o sinal SN109, que estava vermelho, e colide frontalmente com um trem-bala que vinha em sentido contrário, provocando a morte de 31 pessoas e ferindo outras 400.
Acidente Ferroviário em Paddington em 1999
A constatação inicial foi que o condutor não respeitou o sinal vermelho. Apurando um pouco mais, foi identificado que o sinal apresentava visibilidade e legibilidade reduzidas e só era perceptível nitidamente a oito segundos dele. Numa prática tradicional de gestão de segurança, esses achados iniciais seriam suficientes para elucidar o acidente. Algumas medidas relativas ao sinal e aos condutores da empresa seriam efetivadas, a gestão de segurança e da produção considerariam que cumpriram plenamente seus papeis e que o problema teria sido sanado. Porém, de acordo com Llory e Montmayeul (2014, p. 35), a gestão de segurança, para atuar de forma abrangente e preventiva, deve ir além da confiabilidade dos dispositivos e dos operadores da linha de frente. Ela deve repousar sobre uma organização como um todo, pois o acidente, mais que um erro, desvio de norma ou uma falha técnica, e a evidente necessidade de ser sanado expõem a existência de falhas no sistema produtivo. E, uma vez que essas falhas organizacionais concentram o potencial para, em novos ou inéditos encadeamentos, gerar outros acidentes, até mais graves, elas constituem, por excelência, o objeto de interesse da gestão da produção e da SST sob a ótica da prevenção/antecipação. O ponto de partida são os achados iniciais (no caso do turbotrem, o operador que não parou no sinal vermelho e os problemas com o semáforo), extraindo-se o sentido do gesto e da percepção do risco por parte do trabalhador e a origem das falhas técnicas até se alcançar o nível macro, organizacional, onde também é preciso obter o sentido das decisões e das escolhas dos próprios gestores e sua inter-relação com os reguladores externos (Poder Público, acionistas, mercado, sindicatos, etc.). Ao ir além do “erro humano”, a análise organizacional do acidente mostrou que esse caso se relacionava a uma série de eventos que colocava em evidência a degradação e a ineficácia da organização da segurança do sistema ferroviário britânico. Na empresa, foi constatada a ineficácia em aprender com o retorno de experiência (REX) em relação a outros avanços de sinais, a acidentes já ocorridos e em relação à ação do “lançador de alerta”. Uma diretora de produção e segurança, sra. Forster, percebendo o problema, solicitou inúmeras vezes, em vão, por longo tempo, uma solução (LLORY; MONTMAYEUL, 2014; p. 101-104 e 118).
Como visto, a dimensão organizacional associada à atividade é essencial para ir além da fronteira daquilo que se denomina “erro humano”. Esse é o caminho que permite desenvolver processos e sistemas produtivos mais seguros e eficientes.
O caso apresentado ilustra que não se pode falar em “erro humano” só no sentido de expertise, de conhecimento, de como os trabalhadores tomam decisões. Trabalhadores (gestores também são trabalhadores) pilotam sistemas – criação humana, passível de falhas – de complexidade variável, sujeitos a variabilidades e interações, muitas delas inéditas, cujas características são determinantes de vulnerabilidades dos operadores a falhas, a cometerem “erros”, a poderem ou não priorizar a segurança e até de permitir ou não o desenvolvimento de competências, de expertise, de aplicar o conhecimento.
Transpor a fronteira de como o erro humano é entendido e explicado constitui o maior desafio para fazer avançar a prática da gestão de prevenção de acidentes e de gestão da produção (LLORY; MONTMAYEUL, 2014).
Este case foi retirado do livro Engenharia do Trabalho - Saúde, Segurança, Ergonomia e Projeto.
Capítulo 10 - Aspectos legais e normativos da segurança e os seus limites
Eugênio Paceli Hatem Diniz
Airton Marinho da Silva
Marcelo Araújo Campos
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